sábado, 19 de novembro de 2011

Com a força da mente.

Estou me exercitando há quase uma hora e o cansaço aumenta o desafio representado pelas quatro peças de madeira a minha frente. Não porque elas sejam pesadas, e sim porque mexem com uma parte de mim ou, mais especificamente, do meu cérebro, que costumo exercitar pouco: a visão espacial. Enquanto brigo com as peças para tentar encaixá-las do único jeito correto e formar uma pirâmide, minha mente passa de novo por um processo que se repetirá várias vezes nesta tarde, enquanto resolvo jogos de montar, faço contas sem usar calculadora eletrônica e enfrento desafios de memória, lógica e estratégia.
Primeiro, sinto incômodo por ser desafiada a encontrar uma resposta. Depois, o receio de não conseguir resolver o problema; em seguida, frustração e cansaço por falhar nas primeiras tentativas. Por fim, satisfação e orgulho ao chegar ao resultado certo e perceber que estou mais afiada a cada problema resolvido. Uma parte de mim se diverte, outra acha que vai ter enxaqueca à noite. Mas isso deve ser normal na primeira vez que se vai a uma academia para o cérebro.

O ambiente é o que se espera de um lugar criado para malhar os neurônios. Na entrada da academia, chamada Supera, no bairro paulistano de Santana, há estantes com livros. Pelas salas silenciosas, espalham-se jogos como o tangram (um conjunto de sete peças achatadas que se combinam para formar diferentes figuras) e a torre de hanoi (três pinos em que se deve encaixar até oito rodelas de diferentes tamanhos, seguindo regras determinadas). Ao chegar a cada aula, o aluno recebe um soroban, um dispositivo usado para fazer cálculos no Japão, há 400 anos, e em uma versão mais antiga, há mais de 2 mil anos, na China. O soroban combina com o ambiente despojado e os mais de 40 tipos de jogos, todos de madeira, sem nenhum componente eletrônico.

Dependendo da habilidade cerebral que se queira exercitar, há atividades interativas. Numa delas, o grupo foi dividido entre os proibidos de falar, os de mãos amarradas e os de olhos vendados, todos trabalhando juntos para cumprir um objetivo.
A rede Supera de academias para o cérebro foi criada em 2006 pelo engenheiro Antônio Carlos Perpetuo, formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Desde então, mais de 10 mil pessoas frequentaram as aulas em 64 unidades, 63 delas franqueadas, espalhadas por 15 Estados. As turmas podem ter até 12 alunos, que não evoluem em conjunto – cada um segue seu próprio ritmo. “As atividades tiram o cérebro da zona de conforto”, diz Perpetuo. “O objetivo não é treinar matemática. É dar estímulos diferentes dos que estamos acostumados.” A ideia de ginástica para o cérebro não é nova e parece fazer sentido. Mas funciona?
Perpetuo diz que funcionou para seu filho caçula, hoje com 16 anos. Aos 9, o menino tinha dificuldades para se concentrar na escola. O pai conta ter procurado ajuda de um psicólogo e de um psicopedagogo, sem chegar a um resultado satisfatório. Enquanto buscava orientação, conheceu o soroban. “Descobri que é uma ferramenta pedagógica fantástica, que poderia ajudar meu filho a desenvolver concentração e velocidade de raciocínio”, diz.
Perpetuo inspirou-se no neurobiólogo americano Lawrence Katz, do Instituto Médico Howard Hughes. Ele pesquisou como a quebra da rotina pode estimular o cérebro. Katz afirmava que o cérebro se torna mais competente para executar tarefas quando enfrenta mudanças de hábitos, como escovar os dentes com a mão menos hábil ou entrar em casa de olhos fechados. O pesquisador também afirmava que a memória de uma situação ou de um objeto se torna mais forte quando envolve vários sentidos, como visão, tato e olfato. Essas ideias deram origem ao livro Mantenha seu cérebro vivo, que propõe 83 exercícios cerebrais para fazer no escritório, no trânsito ou na cama. Entram na lista reorganizar completamente a mesa de trabalho, fazer compras em um mercado desconhecido e mudar o trajeto para o trabalho (leia alguns deles no quadro).
Datam dos anos 1970 as pesquisas que revelaram a capacidade do cérebro de mudar o padrão de suas conexões e se adaptar a novas situações. O educador Paul Dennison, da Universidade do Sul da Califórnia, foi um dos pioneiros na tentativa de aplicar a descoberta ao ensino. Ele buscava métodos para melhorar a concentração, a memória e a redação de crianças e adultos com algum tipo de deficiência. Criou 26 exercícios que trariam benefícios para todos. O conjunto foi reunido no livro Ginástica cerebral. Os exercícios eram simples e estranhos, como pressionar o polegar e o indicador sobre pontos específicos da orelha e adotar ritmos específicos de respiração. Dennison tem seguidores por toda parte, inclusive no Brasil. O Serap, uma consultoria paulistana de desenvolvimento profissional, usa a técnica para treinar executivos. Os neurocientistas tentaram, em vão, detectar os resultados dessa ginástica. “Talvez ajude no equilíbrio e na coordenação, mas não no desempenho escolar”, diz o pesquisador Colin Blakemore, da Universidade de Oxford.
Nos últimos anos, passou-se a usar uma técnica conhecida como neurofeedback na tentativa de elevar a inteligência. Funciona assim: o paciente veste uma touca com eletrodos, que monitoram sua atividade cerebral. As ondas cerebrais são comparadas a um padrão que se deseja atingir. Pode ser um nível “normal”, se o objetivo for resolver problemas como deficit de atenção ou sequelas de um acidente vascular cerebral, ou um nível “superior”, se a meta for levar a mente de executivos e militares a trabalhar com alto desempenho, segundo o psicólogo Leonardo Mascaro, da BrainTech, clínica paulista que aplica a técnica. Quando as ondas cerebrais atingem o padrão-alvo, o paciente ouve um sinal sonoro agradável, que condicionaria o cérebro.
Vários tipos de pessoas procuram os serviços que ajudam a estimular o cérebro. A academia Supera é popular entre os pais que querem dos filhos melhor desempenho escolar. Júlia Kirizawa, de 10 anos, foi matriculada pelos pais há um ano, por causa das notas baixas em matemática. Com as aulas, Júlia diz que aprendeu a gostar da matéria e perdeu a timidez. “Chegava à sala e não falava com ninguém. Tinha vergonha. Agora, não.” A menina fala com articulação e desenvoltura de adulto.
Os adultos costumam buscar esses exercícios para ganhar segurança no trabalho ou adiar os efeitos do envelhecimento. É o caso da funcionária pública Joana D’Arc Faria, de 56 anos. Há pouco mais de um ano, ela passou a se incomodar com os lapsos de memória. “Esquecia nomes e pequenos fatos”, diz. Joana decidiu que precisava fazer alguma coisa quando ultrapassou um sinal vermelho com duas crianças no carro. “Percebi que minha distração estava ficando perigosa.” Em oito meses de academia do cérebro, ela diz sentir resultados. “Consigo me concentrar mais, lembrar mais”, afirma. O ganho mais importante, para ela, foi na autoestima. “Sinto-me mais confiante, mais inteligente.”
Isso não quer dizer que esses exercícios sejam a solução para todos. Se a pessoa tiver algum distúrbio mais sério, como deficit de atenção, a malhação do cérebro sozinha pode não bastar. Seria preciso algum tipo de tratamento adicional. “É como começar uma ginástica sem fazer avaliação física”, afirma a neuropsicóloga Vera Lucia Duarte, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Se o problema for falta de memória, o espaço para o avanço também é limitado. “A capacidade de seu cérebro para guardar informações não vai aumentar. Só que você vai desenvolver artifícios para fazer associações e resgatar melhor o que está guardado ali.”
Não há consenso científico sobre as melhores formas ou os reais benefícios de treinar o cérebro. É certo que os efeitos sentidos por Joana e Júlia são reais, e que enfrentar desafios regulares à inteligência é recompensador. Assim como numa academia de ginástica para o corpo, muitas vezes o melhor resultado é sentir-se bem com você mesmo – mesmo que os músculos não cresçam tanto assim.

Fonte: Revista Época

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